O PRIMEIRO CASAL BRASILEIRO

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Um encontro entre Brasil e Portugal

Recentemente fui convidada a fazer a fala do lançamento do livro “Guaibimpará Caramuru – Das Areias às Estrelas”, do escritor Carlos Magno, editado pela Thesaurus do Sr. Victor Alegria, em evento na Embaixada de Portugal, aqui em Brasília.

A missão, belíssima, me trouxe a possibilidade de olhar para o primeiro casal brasileiro: berço das sementes originais do processo de encontro de raízes riquíssimo que vivemos em nosso país.

São eles: Guaibimpará (a indígena mais conhecida como Paraguaçu, ou Catarina Álvares) e Caramuru (Diogo Álvares, o fidalgo português naufragado na costa brasileira). Personagens que iniciaram sua caminhada juntos nas areias quiméricas que povoavam os sonhos e esperanças dos navegantes portugueses, e que hoje são as estrelas que compõem a Constelação Familiar do povo brasileiro.

Uma leitura bastante significativa para mim, que tenho essas sementes no meu próprio sangue e, ainda assim, até três anos atrás, pareciam tão distantes e desconhecidas do meu ser.

Em meados de 2016, comecei a sentir um chamado interior para olhar para Portugal. Isso aconteceu por ocasião de ter iniciado os estudos das Constelações Familiares, por meio de Bert e Sophie Hellinger. A primeira constelação em que atuei dentro da escola Hellinger foi justamente sobre o encontro de dez mulheres indígenas e oito homens portugueses. Aquilo me impactou sobremaneira. Não por acaso, mesmo tema do livro que ora é lançado.

Em poucas palavras, o conhecimento das constelações familiares trata, primordialmente, da importância de estarmos em conexão com nossos antepassados e com todo o esforço que eles fizeram para que estivéssemos onde estamos hoje, vivos. E, em se tratando de reconhecer o processo de formação da nossa pátria, esta premissa de honrar o passado, exatamente como foi, segue a mesma linha de raciocínio.

Quando Bert e Sophie Hellinger estiveram no Brasil, em 2016, eles tiveram a oportunidade de observar algumas dinâmicas que envolvem o nosso país e seu processo de formação.Com base no que se observou na época, existe uma tendência coletiva de o povo brasileiro olhar sua história por um único viés:

Índios: dizimados.
Portugueses: difamados.
Negros: escravizados.

Sim, essas três visões são fatos. E diante de tudo que aqui se sucedeu, com todo o seu quinhão de realidade e de consequências muito graves e doloridas, existe – TAMBÉM, e notem esta palavra, TAMBÉM – grandes experiências vividas em conjunto.

O Brasil não foi o único país que teve seus indígenas dizimados.
Nem o único que foi explorado por navegadores europeus.
Nem o único que foi palco do uso da mão de obra escrava.
Não foi a única nação a ter estas marcas dolorosíssimas e cheias de consequências pesadas para seu povo que, sim, sofreu muito.

E, ao mesmo tempo, trata-se de um povo que, TAMBÉM, muito amou e prosperou.

Tais marcas reais – e que jamais devem ser esquecidas não só no Brasil, mas como em qualquer outra nação – eram comportamentos correspondentes ao estágio evolutivo dos seres humanos naqueles tempos. Produtos de nossa infância espiritual, tão marcante nesta fase da história.
Sim, foi assim.

E segundo Bert Hellinger, com todo processo de dor e sofrimento vem sempre, TAMBÉM, uma força especial. Assim, vale se perguntar:

Para além da dor, TAMBÉM podemos nos conectar com o fato de que este encontro de povos trouxe imensas riquezas e superações diante de tudo que foi vivido? Podemos olhar, TAMBÉM, para estas mesmas três raízes com foco no que cada uma delas tem de melhor a oferecer?

A força dos indígenas.
A força dos portugueses.
A força dos negros.

Quando estamos conectados com as dores e desafios do processo, TAMBÉM acessamos a força E O APRENDIZADO que advém das experiências vividas. DAR BOM USO A ESTA EXPERIÊNCIA É O MELHOR QUE TODOS NÓS TEMOS A FAZER. Neste lugar interior, somos invadidos pela imensa riqueza que estas três raízes nos reservam.

Raízes que foram sendo enriquecidas por muitas outras que encontraram porto seguro, ao longo dos tempos, em nosso país. Judeus, espanhois, franceses, holandeses, italianos, chineses, japoneses, árabes, etc… muitos novos matizes aportaram em nosso país.

Desde 2016, ao longo de dois anos, fui gestando esta compreensão até que, em setembro de 2018, pari o texto “Constelando e tomando as raízes do Brasil em mim” que, posteriormente, virou vídeo e cujo conteúdo originou o convite de falar no lançamento deste livro.

Nele, exponho como aconteceu este processo de reconexão em mim, e humildemente convido cada brasileiro a olhar para este TAMBÉM – que pode nos enriquecer de formas inimagináveis…

Naturalmente, ao longo de minha vida, a conexão e empatia com os indígenas e negros era muito mais forte e presente em mim. Desde os tempos da escola, por meio dos amigos e das muitas experiências vividas.

Felizmente, a Vida encarregou-se de, espontaneamente, abrir a oportunidade de eu comprovar de perto esta conexão, TAMBÉM, com Portugal. Foi em maio deste ano, quando fui convidada pela Mahatma Edições a lançar meu primeiro livro, “Abraço à Sombra”, na Feira do Livro de Lisboa.

Uma sensação que até então parecia insuspeita, invadiu-me durante a especial semana conhecendo esta cidade.Passear por Alfama e bairros ao redor, especialmente na área histórica próxima ao Castelo de São Jorge, me trouxe uma imensa alegria de estar num lugar tão familiar.

Sim, a palavra é esta: uma familiaridade intensa tomou conta daqueles dias, e isso foi se firmando a cada momento. Investigando um pouco sobre esta sensação com meus amigos portugueses, eles me perguntaram:

“Quais são os teus sobrenomes? Vamos ver quão portuguesa tu és!!”.
E respondi: “Por parte de minha mãe: NOGUEIRA GUIMARÃES.”
“Certamente Portugal está aí”, riu meu amigo.
“Por parte de meu pai: DIAS TEIXEIRA.”
“Mais Portugal, impossível!”. E rimos todos em conjunto.

A semana em terras lusitanas terminou, e eu que sempre tinha como lema nas viagens que já fiz à Europa: “viajar é bom, mas voltar pra casa é melhor ainda”, me vi surpresa com uma certa tristeza e uma profunda saudade de Portugal, já no avião de volta para o Brasil. Deixava para trás um lar distante, a Terra do Sol, que tanto enriqueceu minha alma em níveis que não pude compreender.

E cá estou, dias após ter mergulhado na leitura de “Guaibimpará Caramuru”, do primoroso escritor Carlos Magno de Melo. Li avidamente sua obra e me deparei com a soma de muitas humanidades que, em suas cruezas e realidades nuas, compõem o fantástico e doloroso início da nossa nação.

Graças ao personagem Diogo Álvares, o exímio cartógrafo português que lançou-se com coragem ao mar, reencontrei a minha conexão com Guaibimpará: a protagonista indígena e toda a sua riqueza, sua natureza instintiva, seu amor pelo Caramuru, e a generosidade do casal com todos os povos daquela época – fossem eles indígenas, portugueses, negros ou qualquer outra nacionalidade.

Ela amava e cuidava de qualquer um, bastava ser gente!
Ele fazia pontes entre mundos, como podia.

A leitura deste livro tornou meu imaginário muito mais concreto. Viagem prazeirosa esta que tive em companhia do escritor Carlos Magno, que enfeitou toda a crueza e realidade daqueles tempos tão duros, com baldes de tintas coloridas de sua ficção generosa e poética.

A terceira parte deste livro, por fim, deixa óbvia a tentativa vã que temos de rotular e separar aquilo que foi unido ao longo de mais de 500 anos. Nomes, aparências e individualidades somam-se ante à potência do encontro entre diferentes. Nos enriquecemos e nos tornamos mais fortes uns com os outros!

Basta olhar para um jardim e aprendemos com ele: quanto mais diversidade, mais força ele tem para lidar com as intempéries e pragas que, porventura, venham a atingi-lo.

Finalizo convidando mulheres e homens a se conectarem com toda a riqueza da diversidade das raízes de nosso país, e a encontrar na leitura deste livro uma prece em favor deste objetivo, ao longo de cada entrelinha nele escrita.

Gratidão a todos! Viva as raízes do Brasil!!!

Daniela Migliari
Brasília, 27 de novembro de 2019.

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