Saber lidar com o término dos pais abre caminho para eu viver minhas próprias relações

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Num relacionamento, quando alguém quer terminar e ir embora, a porção adulta do outro parceiro pode se beneficiar da postura de reconhecer a necessidade profunda deste ir embora.

Em geral, neste lugar, muitos dizem: “Fui abandonado”.

Também é possível dizer: “Esta pessoa *precisou* ir embora”.

Perceber a si mesmo e ao outro como adultos, com plena soberania de ação, traz inteireza e capacidade para lidar com a nova condição:

“Eu reconheço e respeito que você precisou ir embora. Eu reconheço, também, que isso me causa imensa dor. Também posso ver o quanto isso te custa, sei que você também sente este término de muitas maneiras”.

Uma psiquê adulta tem condições de seguir dizendo:

“Agora, posso agradecer pelo tempo e pela experiência que vivemos juntos. Sempre levarei esta experiência em meu coração. Então, de alguma forma, o que vivemos segue sempre comigo!”

Diante da separação dos pais, alguns filhos ficam bravos porque estes se separaram. Outros, ficam bravos ao verem um dos pais ficar viúvo e encontrar um novo companheiro pouco (ou muito) tempo depois.

NA VIUVEZ DOS PAIS

Ante às resistências das crianças feridas em nós, surgem perguntas que são frutos da realidade, no caso da morte de um dos pais:

Você prefere que seu pai siga sua mãe na morte?
Você prefere que sua mãe siga seu pai na morte?

Afinal, ficar sozinho e sem estímulos é o caminho mais rápido pra isso.

É importante atravessar o sentimento de dor inicial, o luto necessário.

E, então, um pouco mais adiante, abrir-se para a nova situação e perceber o lado bom de seu pai ou sua mãe terem escolhido viver e seguir se relacionando com alguém, dando-se o direito e a alegria do prazer a dois.

Olhar pra isso traz uma força incrível: é ver ele ou ela dizerem “Sim” pra vida. A aceitação deste SIM facilita que todos possam seguir adiante com gratidão à relação do cônjuge que morreu, honrando tudo o que foi e com os vínculos anteriores bem localizados no coração.

E os filhos podem se orgulhar desta ânsia de viver e se inspirar nisso pra seguir as próprias vidas – com o mesmo vigor ou mais.

NA SEPARAÇÃO DOS PAIS

Processo similar acontece na separação dos pais.

Filhos realmente podem opinar sobre seus pais ficarem ou não numa relação pesada e infeliz?

Nós filhos ficamos com raiva do término dos pais, julgando a mãe namoradeira ou julgando o pai namoradeiro. Isso quando temos sorte, porque existem pais que desistem de ter relações e ficam se suprindo emocionalmente dos filhos. Quanto peso!

Agora, vem duas perguntas importantes:

Tem algo melhor do que um momento de sexo e intimidade profundos nesta vida?

Ou de viver um companheirismo tranquilo, numa idade já avançada?

Por que os pais deveriam desistir de viver essas alegrias após uma separação ou uma viuvez?

Deveriam desistir de si mesmos simplesmente pra satisfazer o ego infantil da nossa criança ferida, que vive em função de conciliar uma relação totalmente fora de sua alçada?

OLHAR PARA OS NOVOS COMPANHEIROS DOS PAIS E AGRADECER

Que tal agradecer aos companheiros – sejam únicos ou sejam muitos – de sua mãe por serem quem a mantém ativa, feliz e com alegria de viver?

Que tal agradecer às companheiras – sejam únicas ou sejam muitas – de seu pai por serem quem o mantém ativo, feliz e com alegria de viver?

Queridos homens de minha mãe,
Queridas mulheres de meu pai,

Eu agradeço por proporcionarem a ela (ele) estímulos e alegrias de vida. Agora posso ver o quanto isso a mantém feliz e livre. Vejo, também, o quanto isso tira tantos pesos de mim enquanto filha(o)!

Com vocês, minha mãe (meu pai) segue conectada(o) com a vontade de viver!

Com vocês eu fico um tanto mais liberada(o) para viver minha própria vida. Por isso, eu lhes agradeço muitíssimo!

ATRAVESSAR A DOR DA PERDA

Sim, eu sei… A criança em nós sofre.

Negar e negligenciar esta dor pode ser quase ou tão mais perigoso do que se sujeitar aos caprichos da criança ferida.

E como agir com essas dores?

Educar e esclarecer a porção adulta em nós para compreender isso tudo aí acima.

E ao concordar interiormente com a beleza de ver nossos pais serem livres e felizes em suas escolhas, nós também nos permitimos o mesmo – tanto para ter êxito nos nossos próprios casamentos, quanto para sair de relações pesadas.

E digo isso com todo o cuidado e respeito às relações, longe de aconselhar desistências precipitadas ou levianas. Cada um sabe de si, e este texto passa longe de encorajar a desistir por qualquer motivo.

EM NOSSAS PRÓPRIAS RELAÇÕES: REPETIR OS PAIS, NEGÁ-LOS OU SER ALGO NOVO?

Dizem que negamos ou repetimos a história de nossos pais.

Na negação, vale perguntar: quantas relações ficam se prolongando somente para acalmar a dor da criança em nós, evitando repetir a dor do mesmo fim que nossos próprios pais tiveram?

Na repetição, vale perguntar: quantas vezes desistimos de nossas próprias relações adultas para repetir, inconscientemente, a separação de nossos próprios pais?

Perguntas importantes que podem ser melhor respondidas por adultos, do que por crianças feridas.

Eu, adulta, cuido da minha própria criança magoada.

VIAGENS NO TEMPO INTERIOR

Comigo adulta, revisito cenas dolorosas da infância e converso com a menina, a adolescente e a mulher jovem. Abraço elas gostoso, explico o contexto, as acalmo, e as transmito confiança.

Como se fosse uma viajante do tempo, e sendo uma “mentora” de mim mesma, me revisito e digo: “Eu sei que isso dói muito agora, quero te abraçar longamente, vamos respirar juntas… devagar”.

Quase sempre é preciso dar tempo pra essas partes em nós chorarem, expressarem suas raivas, dores e fantasias infantis.

Ouvi-las bradar frustrações do tipo: “Eu queria eles juntos. Eu queria ela(e) viva(o). Eu queria ele(a) sóbrio(a). Eu queria ele(a) fiel. Eu queria ela(e) com sanidade mental”.

Deixo escorrer a dor e a emoção represada…
Respiro…
Eu me acalmo e me acolho…
E então… vem o vazio.
Dele, vem uma faísca de vida, que quer se mover em direção ao mais, à alegria, ao outro, as relações, ao sexo, ao prazer, à vida!!!

Minha porção adulta está lá, animada pra viver, se divertir e celebrar.

Então, aberta a crescer, a adulta que eu também sou diz para estas partes doloridas de mim mesma palavras correspondentes a cada idade. Uma conversa de apoio, acolhimento e estímulo.

Para a adolescente, por exemplo, eu posso dizer: “Olha, é simplesmente isso que está acontecendo, você vai ficar bem, vai amadurecer, todos estão buscando viver o melhor que podem. Esse tema é dos adultos, confiemos e deixemos com eles”.

UM PULO DE FÉ EM MIM MESMA

Eu adulta posso acalmar a minha menina, a minha adolescente ou a jovem mulher como ninguém mais!!!!

Eu confio que vai dar certo porque eu estou dizendo pra mim mesma, do alto de um futuro que eu mesma decidi construir. Fatos e escolhas assumidas. Dou um pulo de fé em mim mesma!

Dizem por aí: “Caiu em si: foi o melhor tombo que já tomou na Vida!”.

Quão maravilhoso é ser a curandeira das minhas próprias feridas!

A viajante no tempo, revivendo episódios dolorosos e tornando-os tão belos e significativos, em companhia do meu ser. ❤️

A melhor forma de sermos nós mesmos é encontrar outro tipo de conciliação, que não a de nossos pais – que nunca coube nem nunca nos caberá.

Não cabe mesmo, é grande demais pros filhos!

A única conciliação que nos cabe – e nos aguarda com infinitos potenciais – é a conciliação com nossa própria história.

Conciliamos quando damos ao outro o direito de ser como é e de fazer as escolhas que quis e precisou fazer. Reconhecer que as rédeas da própria vida estão com eles mesmos.

Nós, adultos, podemos e temos condições de fazer isso.

Assim nos encontraremos com as nossas próprias rédeas em mãos, e poderemos ser algo novo: nós mesmos!

(Daniela Migliari, 23 de novembro de 2019).

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